quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Confira o que saiu sobre a Semana Nacional de Ciência e Tecnologia - Uberlândia na mídia:
 
No início de 2000, o índice de sobrevida de pacientes com leucemia promielocítica aguda (LPA) no Brasil era de 50% contra os mais de 80% registrados nos Estados Unidos e em países europeus.

A maior incidência da doença em países latino-americanos não justificava a discrepância nas estatísticas: a LPA responde bem ao ácido all-trans retinoico (ATRA), medicação que é distribuída pelo Sistema Único de Saúde (SUS). A explicação para a defasagem nos resultados estava no diagnóstico tardio e no consequente atraso no início do tratamento de uma doença que induz a um grave quadro hemorrágico, elevando o número de óbitos.

Associando pesquisa básica e clínica, pesquisadores do Centro de Terapia Celular (CTC), um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) mantido pela FAPESP e sediado na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) de Ribeirão Preto, propuseram um novo modelo de diagnóstico, adotado por um consórcio de oito hospitais públicos em cinco estados.

“Em nove anos, a mortalidade caiu pela metade e a sobrevida dos pacientes chegou a 70%”, comemora o pesquisador Eduardo Magalhães Rego. O resultado do trabalho foi capa da revista Blood, em 14 de março de 2013. O protocolo tornou-se padrão em outros países da América Latina: agora, o consórcio também reúne hospitais do Chile, do Uruguai e do México e, nos próximos meses, incluirá o Paraguai e o Peru.

O novo diagnóstico da LPA traduz uma das missões primordiais do Centro de Terapia Celular e do Programa CEPID, criado pela FAPESP em 2000: desenvolver pesquisa de excelência, comprometida com a aplicação de resultados.

A partir de hoje, a Agência FAPESP dá início à publicação de uma série de reportagens especiais sobre os CEPIDs apoiados pela Fundação entre 2001 e 2013 e lança um site especialmente para o programa, que pode ser acessado em: cepid.fapesp.br.

“O CTC criou um ambiente fértil para o desenvolvimento de metodologias relacionadas à pesquisa com câncer, células-tronco, biotecnologia e biologia molecular”, avalia Marco Antonio Zago, coordenador do Centro e pró-reitor de Pesquisa da USP. “Fazemos pesquisa básica e temos clínica de tratamento de pacientes, laboratórios no Hemocentro e no Hospital das Clínicas, além de uma unidade de transplante de medula óssea.”

A formulação do novo teste diagnóstico da LPA fez o percurso da bancada à clínica. “A LPA resulta da quebra de dois cromossomos que trocam pedaços entre si, formando um gene de fusão. O desafio era entender como esse gene causa a leucemia”, explica Magalhães Rego.

Utilizando modelos transgênicos, os pesquisadores reproduziram a doença em camundongos e constataram que algumas proteínas, que deveriam atuar como supressoras, não funcionavam. Uma delas, a PML, “aprisionada” em estrutura bem definida em indivíduos sadios, entre doentes apresenta-se dispersa, sem função de regulação do organismo e em interação com outro grupo de proteínas.

A dispersão da PML foi a chave para o teste diagnóstico, realizado por meio de exame de medula óssea em reação a anticorpos “doados por um pesquisador italiano”, como Magalhães Rego diz. “Trata-se de um exame laboratorial de imunofluorescência, disponível em hospitais de porte médio, e que fica pronto em seis horas”, descreve.

O próximo passo será testar o efeito do transplante de células-tronco hematopoiéticas (TCTH), extraídas da medula óssea, no tratamento de infecções oportunistas em portadores de leucemias mieloides agudas.

Diferenciação celular
O TCTH é uma terapia desenvolvida pelo CTC desde o início do ano 2000. “Na época, ainda não se falava em células-tronco. Só usávamos transplante de medula”, lembra Zago. “Tínhamos três fontes, células da medula, do sangue e da placenta, com respostas diferentes no tratamento celular.”

A diferenciação celular e a resposta clínica passaram a ser foco de estudos da equipe. Em 2004, quando uma pesquisa sueca sugeriu que as células-tronco reduziam a resposta imunológica dos organismos porque alteravam o linfócito T, a equipe resolver avaliar o seu uso no tratamento do diabetes, doença autoimune em que o sistema imunológico ataca as células produtoras de insulina do pâncreas.

A hipótese era a de que, se o ataque fosse interrompido e as células restantes preservadas, seria possível, por meio de TCTH, recuperar o pâncreas, reduzir a dependência de insulina e evitar complicações típicas da doença, como a retinopatia, nefropatias e neuropatias.

Do primeiro protocolo experimental participaram 25 pacientes diagnosticados com diabetes tipo 1. Eles tiveram as células-tronco hematopoiéticas de sua medula óssea coletadas e congeladas antes de se submeterem a uma quimioterapia para zerar o sistema imunológico e interromper a agressão ao pâncreas.

As células-tronco congeladas foram, em seguida, transfundidas, produzindo uma nova medula e novas células sanguíneas. Dos 25 pacientes, três estão livres de insulina e 22 voltaram a utilizar a insulina depois de um determinado período, ainda que em dose inferior à utilizada antes do tratamento.

Um novo protocolo de TCTH foi iniciado em 2009, com outros quatro pacientes com diabetes tipo 1 diagnosticados há menos de cinco meses. A pesquisa tem parceria da Northwestern University, de Chicago, e da Universidade Paris Diderot. “Estamos entusiasmados com os resultados”, adianta a pesquisadora Maria Carolina de Oliveira Rodrigues.

Antes disso, em 2008, em outro protocolo experimental, os pesquisadores tentaram modular o sistema imunológico de pacientes diabéticos por meio de aplicações de células mesenquimais, extraídas da medula de um parente.

“A hipótese era a de que células mesenquimais seriam capazes de migrar e de se diferenciar em células do pâncreas produtoras de insulina”, explicou a pesquisadora Oliveira Rodrigues em uma reportagem da Agência FAPESP. A resposta, no caso, não foi animadora e uma nova pesquisa poderá ser realizada.

Um protocolo para o SUS
Protocolo semelhante ao do diabetes tipo 1 tem se mostrado promissor também no tratamento da esclerose múltipla, doença que agride o sistema nervoso central e compromete progressivamente a capacidade neurológica (leia mais em agencia.fapesp.br/10090). Desde 2002, 100 pacientes foram submetidos à quimioterapia e injeção endovenosa de células-tronco hematopoiéticas para interromper o avanço da doença, relata Oliveira Rodrigues.

Ao longo dos últimos 11 anos – período que correspondeu ao financiamento da FAPESP ao CTC –, a administração do quimioterápico foi sendo calibrada à resposta dos pacientes. “Uma terapia muito tóxica foi substituída por outra, mais adequada. Também aprendemos que o transplante não funciona quando a doença está em estágio muito avançado.” O protocolo atual está sendo avaliado junto com a Universidade de Northwestern, e os resultados comparados com os das melhores drogas.

O CTC tem conseguido ótimos resultados também no tratamento da esclerose sistêmica, que afeta progressivamente as células do tecido conjuntivo, causando alterações vasculares e fibrose da pele. O tratamento convencional, com ciclosfosfamida, evita a progressão da doença, mas, em pelo menos um terço dos casos, o TCTH antecedido por quimioterapia é o procedimento recomendado.

Em 48 pacientes, o transplante interrompeu a agressão, revertendo o quadro de degeneração cutânea associado e estabilizando o paciente. “Esse protocolo está em vias de ser adotado pelo SUS”, revela Oliveira Rodrigues.

Os riscos têm de ser ponderados. Em fevereiro de 2013, em parceria com pesquisadores da Northwestern, a equipe do CTC publicou na Lancet um artigo recomendando uma avaliação cardíaca minuciosa para melhor avaliar a oportunidade do transplante, em decorrência, entre outros fatores, do coquetel quimioterápico (leia mais em agencia.fapesp.br/16803). “Iniciaremos um segundo estudo para comparar três esquemas de quimioterapia e avaliar o melhor.”

A excelência e os bons resultados alcançados pela pesquisa devem ser creditados à equipe qualificada, aos parceiros internacionais de peso, como as universidades de Montreal, Guelph, Munchen, King's College, Leiden, entre outras, e, principalmente, ao financiamento de grande porte e de longo prazo.

“A equipe tem competitividade. Nesse período, além do apoio da FAPESP, contamos também com recursos de outras agências de fomento como a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e o Conselho Nacional de Pesquisa Científica e Tecnológica (CNPq). Isso sem falar do orçamento da própria universidade. O resultado é que os recursos repassados pela FAPESP foram multiplicados por dois”, afirma Zago.

A qualidade dos estudos credenciou o CTC para integrar, desde 2008, a rede de pesquisas formada pelos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs), por meio da qual desenvolve 30 projetos nas áreas de células-tronco e terapia celular, em parceria com universidades paulistas, a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e o Centro Nacional de Primatas, no Pará. Os projetos são financiados, meio a meio, pelo CNPq e pela FAPESP (leia mais em http://lgmb.fmrp.usp.br/inctc).

Em 2013, o CTC teve aprovada uma nova proposta de trabalho, por meio do segundo edital do Programa CEPID. Até 2014, o Centro implementará um ambicioso programa multidisciplinar, com foco no estudo das características moleculares, celulares e biológicas de células normais e patológicas e na avaliação crítica de seu potencial terapêutico. Os objetivos são gerar linhagens brasileiras a serem utilizadas em estudos pré-clínicos e investigar os mecanismos envolvidos no estado de pluripotência, assim como em doenças como disceratose congênita, anemia da Faconi, hemofilia A e doença de Parkinson.

Todos os estudos visam à produção em grande escala de células-tronco, de forma a permitir sua utilização clínica potencial. Nesse período, também seguirão em curso um projeto de transferência de tecnologia com foco na melhoria da saúde pública e um programa de educação em Ciência.

Fonte: Agência Fapesp.

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Protocolo permite diminuir possível desequilíbrio na determinação da intensidade das cargas

Os testes de desempenho aeróbio – relacionado à resistência – auxiliam e orientam a prescrição de intensidades de corrida recomendadas para treinamento e competição de atletas fundistas de alto rendimento, caso dos participantes de olimpíadas e competições internacionais. A literatura mostra que para a melhora do desempenho aeróbio é necessário conhecer parâmetros fisiológicos de carga que além de confiáveis sejam de fácil aplicação nos treinamentos. Eles são fundamentais inclusive para a predição das velocidades durante as competições, uma vez que seus planejamentos estratégicos podem determinar o vencedor ou a quebra de um recorde. Os parâmetros fisiológicos de carga associados a outras variáveis, quando alicerçados em bases científicas, reduzem de forma significativa possíveis erros na determinação das intensidades nos treinamentos e na adoção de estratégias nas competições.

Um dos parâmetros frequentemente utilizado é o limiar anaeróbio (LAn), que indica a transição dos metabolismos aeróbio-anaeróbio e que se revela bastante prático. Ocorre que a maior parte dos protocolos utilizados para a sua determinação são trabalhosos, invasivos, tomam muitos dias de treinamento dos atletas e envolvem análises caras. Para um país como o Brasil, que conta com parcos recursos, particularmente para o atletismo, seria desejável desenvolver um protocolo que utilizasse uma ferramenta barata, de fácil aplicação e reprodução e que pudesse ser validada por um teste considerado de padrão ouro. É o caso do teste de Máxima Fase Estável de Lactato (MFEL), referência gold standard, o qual determina o limiar anaeróbio e que permite estabelecer cargas adequadas para treinamento aeróbio e anaeróbio, mas invasivo, caro e demorado.

À procura de superar estas dificuldades se propôs Ricardo Antonio D’Angelo, ex-atleta dos 400 m com barreiras que, depois de graduado em educação física, passou a atuar como treinador especializado em corridas de fundo (acima de 3.000 m). Só aos 45 anos, quando já havia acumulado grande experiência prática e bons resultados como treinador de atletas de nível internacional, decidiu pelo mestrado e doutorado, completados nos últimos sete anos. O objetivo: aperfeiçoar-se na área. “Eu sentia necessidade de aprofundar os conhecimentos em corrida de fundo com o intuito de melhorar meu trabalho, o da minha equipe e os resultados dos meus atletas”, diz ele.

Com essas perspectivas, ele desenvolveu no doutorado, orientado pelo professor Miguel de Arruda, da Faculdade de Educação Física (FEF) da Unicamp, o teste de Velocidade Crítica (Vcrit), validado pelo teste de Máxima Fase Estável de Lactato (MFEL), que permite a avaliação e controle da forma física do atleta a partir de procedimentos simples, não invasivos, confiáveis e de fácil aplicação. Esse protocolo, desenvolvido ao longo de um ciclo olímpico, quatro anos, entre as Olimpíadas de 2008 (Pequim) e 2012 (Londres), foi responsável pela organização das cargas de trabalho de seis atletas fundistas de alto rendimento. O grupo apresentou melhora de desempenho, com destaque para dois atletas: Franck Caldeira de Almeida, 13º colocado na Maratona dos Jogos Olímpicos de Londres, 2012, e Joilson Bernardo da Silva, medalha de bronze na prova dos 5.000 m do Pan Americano de Guadalajara, 2011.

Moveu-o também ao estudo a constatação de que, embora a comunidade de treinadores de corrida cresça em ritmo elevado atualmente no Brasil, os recursos didático-metodológicos desses profissionais não se encontram totalmente apoiados na ciência do esporte. Diante disso, ele acredita que as informações e conclusões da pesquisa possam contribuir sensivelmente para a melhora da qualidade de trabalho desses treinadores e em consequência para o melhor desempenho de atletas brasileiros em nível nacional e internacional.

O fazer Em síntese, Ricardo D’Angelo desenvolveu um método de determinação do limiar anaeróbico, o LAn, com protocolo não invasivo, o Vcrit, e o correlacionou ao Máxima Fase Estável de Lactato, o MFEL, e a outros importantes parâmetros de desempenho, que permite diminuir o possível desequilíbrio na determinação da intensidade das cargas e possibilitar ao treinador a realização de avaliações mais frequentes e simplificadas do estado de forma física de seus atletas. “A partir dessas informações, variáveis sensíveis de ajustes de intensidade passam a ser facilmente identificadas e as intervenções propostas nos métodos e meios de treinamento do atleta tornam-se altamente eficazes”, diz ele.

O autor destaca a escassez de trabalhos na literatura, mesmo em escala mundial, envolvendo atletas profissionais de alto rendimento que tenham integrado delegações em competições internacionais. Cerca de 90% desses trabalhos envolvem idosos, militares e outras populações, porque em geral os atletas de alto rendimento não se submetem a esse tipo de avaliação. Como treinador ele tinha à mão um grupo de seis atletas de alto rendimento que o acompanhava há vários anos.

Estas circunstâncias o levaram a procurar uma ferramenta barata, de aplicação simples, facilmente reproduzida e passível de ser validada por um teste padrão ouro. Para tanto estabeleceu um protocolo em que os atletas corriam três ou quatro distâncias, que lhe forneceram dados para a obtenção de uma reta de regressão através de um modelo matemático simples. Esses resultados, comparados com os obtidos através de um teste padrão ouro, permitiram estabelecer uma correlação entre os valores obtidos nos dois processos, com a utilização de uma equação simples. “Posso afirmar hoje que esse protocolo permite estimar o limiar anaeróbio desses atletas, através de um índice fisiológico, com um alto grau de confiabilidade através de um procedimento simples e com resultados fidedignos”.

Ele confessa que foi motivado pela necessidade. Em países com recursos, os centros de treinamento para atletas de alto rendimento dispõem de um laboratório junto à pista. Ele não conta com essa facilidade e recorre a um laboratório toda vez que precisa de análises, mesmo reconhecendo que trabalha com a equipe de atletismo com mais recursos no Brasil. O trabalho se propôs a oferecer para a comunidade de treinadores um parâmetro confiável de aplicação de carga baseado em estudos científicos, através de testes simples, que não exijam recursos. Ricardo D’Angelo resume: “Os testes de laboratório dizem o que é necessário para chegar a um alto rendimento e a metodologia que desenvolvemos permite obter dados que revelam em que estágio o atleta está e onde deve chegar para obter alto desempenho. Chegamos a esses resultados de forma simples e objetiva”.

Situação no Brasil
Segundo o pesquisador, uma questão colocada hoje na área de educação física é a de que a aplicação dos recursos da ciência do desporto está um pouco divorciada da sua prática, mesmo em países avançados. O problema é agravado pelo fato do reduzido número de atletas de alto rendimento se submeter aos testes exigidos nessas pesquisas. Em decorrência, os resultados obtidos com outros públicos são transpostos para os atletas de alto nível, comprometendo a fidelidade. O estudo baseado em atletas de alto rendimento é o que diferencia o trabalho de Ricardo.

Teriam os treinadores brasileiros condições de implementar a metodologia proposta? Ricardo considera que a competência dos profissionais de atletismo no Brasil equivale aos de centros mais desenvolvidos. Credita isso à agilidade dos meios de comunicação, destacando a internet, e ao fato de os profissionais procurarem aperfeiçoamento e atualização frequentando cursos, como os organizados por confederações e federações nacionais e internacionais de atletismo, e participando de palestras e de encontros com treinadores estrangeiros.

Segundo ele, o perfil característico do treinador de atletismo no Brasil é o do ex-atleta, que vivenciou intensamente a prática do esporte, que passou a dedicar-se à formação de novas gerações e que procura evoluir através do conhecimento. Foi seu caso. No campo do atletismo, ele acredita que o país tem treinadores entre os melhores do mundo, mas que se ressentem da falta de recursos materiais e humanos. Como exemplos cita a pequena oferta de pistas sintéticas, essenciais para desenvolver trabalhos em quaisquer esportes e, no caso do atletismo, a carência de atletas.

Atribui a carência de recursos humanos às características da cultura nacional: “No Brasil temos a cultura do futebol, não do esporte, diferentemente do que ocorre nos EUA, por exemplo, em que a cultura esportiva é desenvolvida desde a escola, quando a criança entra em contato com as várias modalidades do esporte, o que torna muito mais fácil o surgimento de atletas de alto nível. Todos os países que se tornaram potencias mundiais no esporte o têm como instrumento de educação. Tudo começa na escola”. Em vista disso, Ricardo D’Angelo não acredita na melhora significativa dos desempenhos do atletismo brasileiro nas Olimpíadas do Rio de Janeiro, em 2016.

Em decorrência da proliferação, na última década, da corrida de rua no Brasil, ele preocupou-se, ao desenvolver o estudo, com a possibilidade de seus resultados serem encampados por preparadores desses atletas amadores. Grande parte desses orientadores não é especialista em corridas de fundo, pois ou são professores de educação física ou ex-corredores em geral sem nenhuma graduação, que conhecem a prática e conseguem trabalhar porque a demanda é muito alta e não por apresentaram uma formação adequada.

Publicação
Tese: “Testes de desempenho aeróbio relacionados a intensidades de corrida em treinamento e competição para fundistas de alto rendimento”
Autor: Ricardo Antonio D’Angelo
Orientador: Miguel de Arruda
Unidade: Faculdade de Educação Física (FEF)

Fonte: Jornal da Unicamp.

terça-feira, 29 de outubro de 2013

Mais da metade de todas as espécies animais conhecidas são insetos. Mas como espécies com um sistema imune tão pouco desenvolvido – principalmente se comparado aos mamíferos – evoluíram ao longo de 350 milhões de anos e sobrevivem hoje nos mais diversos ambientes do planeta, até nos mais hostis?

Estudos indicam que o segredo está em substâncias presentes na hemolinfa, o fluido que exerce a função de sangue nos insetos. Trata-se, no geral, de substâncias que, nesses animais, têm a capacidade de combater vírus, bactérias e fungos. Tem, portanto, potencial para reduzir a ação dos microrganismos em humanos. Conhecer essas substâncias e seu mecanismo de ação é um grande passo para o desenvolvimento de medicamentos.

Pesquisadores do Instituto Butantan, em São Paulo, têm identificado substâncias promissoras em lagartas. “Há muito se produz substâncias antivirais originárias de organismos e produtos animais ou vegetais, como ouriço-do-mar e própolis. Mas pouco se investiga em insetos, e menos ainda em lagartas”, disse à Agência FAPESP o virologista Ronaldo Zucatelli Mendonça, responsável pela pesquisa “Bioprospecção de proteínas de interesse farmacológico e biotecnológico na hemolinfa de lagartas da família Megalopygidae", que conta com apoio da FAPESP.

A equipe de Mendonça encontrou substâncias de alta potência antiviral em lagartas da família Megalopygidae. “Ainda não sabemos exatamente a composição química dessa substância”, disse. “No entanto, ela já demonstrou ter ação inequívoca: tornou 2 mil vezes menor a replicação do picornavírus (parente do vírus da poliomielite) e 750 vezes menor a do vírus do sarampo, além de ter neutralizado o vírus da influenza H1N1.”

Segundo o coordenador da pesquisa, esses dados são preliminares. “Até a conclusão do trabalho, podemos chegar a uma redução ainda maior”, disse.

O estudo com a Megalopygidae dá sequência a uma pesquisa anterior, na qual a equipe isolou e purificou uma proteína em outra lagarta, da família Saturniidae, a Lonomia obliqua.

A proteína encontrada na Lonomia tornou a replicação do vírus da herpes 1 milhão de vezes menor e a replicação do vírus da rubéola, 10 mil vezes menor. O trabalho foi publicado na revista Antiviral Research, em 2012.

As duas pesquisas, sobre a Lonomia e sobre as lagartas da família Megalopygidae, têm foco em substâncias que apresentam duas propriedades específicas: ação apoptótica e antiviral. A primeira promove a apoptose (morte celular programada ou desencadeada para eliminar de forma rápida células desnecessárias ou danificadas), um processo importante no mecanismo para controle do câncer. O foco atual da pesquisa com as lagartas Megalopygidae é sua ação antiviral.

As proteínas em estudo são produzidas pela tecnologia de DNA recombinante. O gene codificador da proteína é extraído da hemolinfa, clonado em um baculovírus (vírus que ataca insetos). Depois, é replicado em células de insetos, que, por sua vez, produzem as proteínas de defesa (as chamadas proteínas recombinantes) em grande quantidade.

“A principal vantagem em produzir a proteína recombinante é que isso torna possível a extração da substância de maneira mais simples e em maior escala”, comentou Mendonça. “Antes de chegar à indústria, porém, é preciso verificar sua ação em organismos, em testes in vivo, e avaliar sua viabilidade econômica”.

As lagartas estudadas pela equipe de Mendonça estão entre as taturanas urticantes que fazem mal ao homem. Suas cerdas liberam veneno capaz de levar à morte. A escolha delas para as duas pesquisas se deveu ao acúmulo de centenas de carcaças desses insetos no Instituto Butantan, que sobram depois da retirada do veneno para a produção de soro contra queimaduras. É dessas carcaças que é retirada a hemolinfa, de onde se extrai o gene codificante das substâncias de defesa.

A família Megalopygidae engloba mais de 200 espécies, entre elas a Megalopyge lanata, chamada lagarta-do-cartucho, cuja mariposa ataca as culturas de milho no Brasil, e a Megalopyge albicollis, a lagarta-de-fogo.

Segundo Mendonça, os estudos com a Lonomia e com as lagartas da família Megalopygidae constituem uma porta para outras pesquisas de grande relevância. “O Brasil tem uma megabiodiversidade em insetos. E todos podem ter substâncias desse tipo, de ação até maior do que as encontradas até agora”, disse o pesquisador, que realizou três pós-doutorados com bolsa FAPESP, dois em Portugal e um no México.

Fonte: Agência Fapesp.

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Formulação desenvolvida no IQ pode reduzir efeitos adversos de medicamentos no organismo

Você recebe uma injeção sob a pele. O líquido aplicado transforma-se em um gel, que contém nanopartículas “recheadas” com fármaco anti-inflamatório. Aos poucos, o organismo começa a receber doses do fármaco a partir do depósito formado ali. Essa será a aplicação de uma nova formulação desenvolvida em pesquisa de mestrado apresentada pela química Letícia Paifer Marques, na pós-graduação do Instituto de Química da Unicamp, sob a orientação do professor Francisco Benedito Teixeira Pessine. Trata-se da tecnologia Depot (depósito) para entrega modificada de dois fármacos empregados como anti-inflamatórios, a dexametasona e a betametasona, encapsulados em nanopartículas lipídicas sólidas. “Uma vez introduzido no organismo, o fármaco vai sendo liberado gradativamente”, afirma Pessine.

Na prática, isso pode permitir que pacientes em tratamento prolongado recebam doses menores desses anti-inflamatórios, com menor frequência, e apresentem menos efeitos adversos, como retenção de líquido pelo organismo, em aplicações de curto prazo, e até complicações mais severas já estudadas, como catarata, em decorrência de consumo frequente e prolongado desses dois medicamentos. “Alguns dos efeitos adversos ocorrem porque o medicamento é distribuído sistemicamente no organismo. Então, se a entrega for realizada no local da inflamação, os efeitos sistêmicos podem ser menores”, explica Letícia, autora da pesquisa. Por enquanto, os experimentos foram realizados em laboratório, para o desenvolvimento das nanopartículas que carregam o fármaco e da tecnologia Depot, que assegura a entrega controlada dos medicamentos. Por se tratar de algo inovador para os dois tipos de fármacos escolhidos, a dexametasona e a betametasona, o professor Pessine prepara o processo de pedido de patente dessa nova tecnologia com o apoio da Agência de Inovação Inova Unicamp.

Existem outras possibilidades para a entrega controlada de medicamentos, já utilizadas pela medicina, por meio de implantes colocados no organismo de pacientes, mas isso exige a realização de procedimento cirúrgico, o que é dispensável pela técnica Depot, segundo os pesquisadores. Basta uma injeção, o “bioimplante” está colocado no doente. Por analogia, é possível comparar a entrega com sistema Depot a uma bomba sob medida, dimensionada (em sua capacidade de explosão e de efeitos) e planejada para atingir um alvo específico, com o menor resultado de danos colaterais em razão do ataque, a exemplo das estratégias modernas de emprego militar.

Nanopartícula
Para compreender melhor a novidade, é preciso saber que nanotecnologia envolve a manipulação de átomos e moléculas, em tamanhos que os cientistas chamam de “nanoescala”, ou seja, um nanômetro é a bilionésima parte do metro, o equivalente a um milhão de vezes menor que o diâmetro da cabeça de um alfinete ou 80 mil vezes menor que a espessura de um fio de cabelo. Em laboratório, Letícia produziu nanopartículas lipídicas carregadas com fármaco e um sistema de entrega do medicamento, formado por polissacarídeos que, em contato com o corpo, transformam a solução líquida no gel que será gradativamente assimilado pelo organismo.

É a temperatura do corpo que ativaria, quimicamente, a formação do depósito de anti-inflamatório sob a pele, depois da aplicação de injeção subcutânea. Os produtos usados para a fabricação das nanopartículas são biocompatíveis e biodegradáveis, destaca a química.

“Uma pessoa poderia ficar pelo menos seis dias sem receber nova aplicação do fármaco”, afirma Letícia. Nesse caso, o paciente receberia uma injeção e apresentaria uma leve saliência sob a pele, no local onde foi criado o depósito químico de medicamento. A dexametasona e a betametasona são medicamentos da classe dos corticosteroides que atuam no tratamento e prevenção de processos inflamatórios de diversas naturezas.

Na pesquisa, Letícia não alterou a estrutura química dos fármacos e trabalhou com o princípio ativo, não o medicamento que é vendido em farmácias. Desse modo, a manipulação com nanotecnologia não interferiu nas propriedades dos medicamentos, explica a autora do trabalho de mestrado, que contou com financiamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

As nanopartículas são produzidas através da utilização de um aparelho conhecido como homogeneizador, que agita os componentes da formulação a uma velocidade de até 18 mil rotações por minuto, desta forma as nanopartículas carregadas com os fármacos estudados – um de cada vez, pois os medicamentos não foram combinados – são produzidas. O processo de preparo dura 40 minutos, mas são necessárias mais 24 horas em geladeira para estabilização.

Futuro
Desenvolver uma tecnologia Depot não é tão simples. Segundo o professor Pessine, orientador da pesquisa, os dois fármacos estudados apresentam estruturas químicas parecidas mas, mesmo assim, foram liberados em quantidades e velocidades diferentes ao longo dos ensaios in vitro, por isso a necessidade de mais estudos para cada tipo de fármaco a ser investigado com esta tecnologia.

A equipe do professor dará continuidade a outras pesquisas nessa mesma área para aplicar a nova técnica e outros fármacos. “Isso representa a possibilidade de mais conforto para os pacientes em tratamento”, avalia Pessine, ao comentar sobre o potencial da técnica.

Publicação
Dissertação: “Desenvolvimento de tecnologia Depot para entrega modificada de fármacos anti-inflamatórios encapsulados em nanopartículas lipídicas sólidas e carreadores lipídicos nanoestruturados”
Autora: Letícia Paifer Marques
Orientador: Francisco Benedito Teixeira Pessine
Unidade: Instituto de Química (IQ)
Financiamento: Capes

Fonte: Jornal da Unicamp.

domingo, 27 de outubro de 2013

Desatenção, inquietação e impulsividade viraram sinônimo de doença: transtorno de déficit de atenção e hiperatividade ou simplesmente TDAH. Há quem diga que não exista. Há quem afirme ser portador desse transtorno. O TDAH começou a ser identificado na primeira década do século XX e é um dos transtornos mais estudados em medicina. Seu diagnóstico é controverso e polêmico. Dependendo dos critérios diagnósticos adotados, da população estudada, do sexo, da faixa etária entre outros fatores, as taxas de prevalência de TDAH podem variar entre 1% a 20%. Os critérios diagnósticos mais utilizados são os da Associação Americana de Psiquiatria (DSM, atualmente em sua 5a edição) e a CID, da Organização Mundial de Saúde (OMS).

Se o diagnóstico suscita debates acalorados, o tratamento do TDAH muito mais. Psiquiatras, psicólogos, educadores e pediatras nem sempre concordam com a prescrição de medicação – especialmente os psicoestimulantes à base de metilfenidato – o mais popular é a ritalina. Alguns profissionais alegam o risco de dependência e a criação de uma geração acrítica e obediente para embasar suas opiniões sobre o transtorno. Outros, a tábua de salvação. Informações sobre TDAH aparecem a toda hora na mídia. A preocupação dos pais é grande – tratar, medicar ou o que fazer? E dos profissionais também.

O ambulatório de Psiquiatria e Psicologia Médica do Hospital de Clínicas (HC) da Unicamp recebe centenas de crianças e adolescentes todos os meses. Entre 40% a 50% das crianças e um terço dos adolescentes atendidos no ambulatório recebem o diagnóstico de TDAH, segundo a médica psiquiatra Eloisa Helena Rubello Valler Celeri. “Talvez, existam diagnósticos apressados e uso inadequado da medicação para tratar o TDAH. Mas, por outro lado, também existem crianças que não estão sendo diagnosticadas e tratadas. Dessa forma, todo o potencial criativo e desenvolvimento da criança estão sendo prejudicados, com consequências sérias para seu desenvolvimento social e afetivo”, explica.

Entre um atendimento clínico, aula para alunos de graduação e pós-graduação e a coordenação do Departamento de Psiquiatria e Psicologia Médica da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, Eloisa concedeu entrevista para falar sobre critérios de diagnóstico, prescrição de medicamento, efeitos colaterais, terapias alternativas e novos campos da ciência que irão auxiliar no entendimento de uma doença inquietante e polêmica.

O que é TDAH?
O transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) é um transtorno de início precoce caracterizado por um padrão de comportamento que inclui desatenção, hiperatividade e impulsividade. As crianças, normalmente, são impulsivas, ativas, e desatentas. Quando esse padrão for suficientemente impactante e prejudicar o aprendizado da criança na escola, o convívio social e familiar, entendemos que isso pode ser um transtorno de déficit de atenção e hiperatividade.

Como é feito o diagnóstico de TDAH?
O diagnóstico é feito a partir de uma avaliação clínica por um profissional experiente que conheça bem desenvolvimento e psicopatologia infantil. É preciso conhecer outras patologias, o histórico e as características da família onde essa criança vive, como é escola onde estuda e qual a expectativa da família em relação à criança. E isso demora. Não é um questionário de “sim ou não” ou a aplicação pura e simples dos critérios diagnósticos das classificações que irão dizer se uma criança tem ou não TDAH.

Quais são os parâmetros de classificação da doença?
Normalmente, existem crianças mais ou menos atentas, mais ou menos ativas e mais ou menos impulsivas. As classificações colocam uma linha de corte que nos ajudam a dizer aonde estaria o limite entre o normal e o patológico. Mas o julgamento é clínico, sendo de fundamental importância que o profissional tenha experiência suficiente para dizer se aquela criança necessita de algum tipo de intervenção terapêutica, medicamentosa, psicoterápica, psicopedagógica ou não.

Quais as intervenções ou tratamentos indicado no caso de TDAH?
TDAH não é igual a medicação à base de metilfenidato. Antes de prescrever o medicamento, o médico e a família devem avaliar bem os prós e os contras. Às vezes, uma orientação aos pais, uma ajuda pedagógica na escola ou terapia são suficientes para tratar a criança. O psicoestimulante – ritalina ou outros disponíveis no mercado brasileiro – é uma possibilidade, mas não necessariamente o único caminho para o tratamento.

A ritalina causa dependência ou efeitos colaterais?
Como toda medicação, pode ter efeitos colaterais. Ela pode aumentar a frequência cardíaca, causar hipertensão, dor de cabeça ou perda de peso e, eventualmente, levar a uma diminuição no crescimento. Porém, é uma medicação estudada há muito tempo e tem um perfil seguro. Em relação a causar dependência, os estudos têm demonstrado que, pelo contrário, o tratamento adequado, inclusive com psicoestimulantes, parece prevenir o uso de substâncias ilícitas.

O tratamento inibe a criatividade da criança?
Pelo contrário, o tratamento adequado e adaptado especialmente àquela criança vai possibilitar um melhor funcionamento social e escolar, favorecendo que toda sua potencialidade cognitiva e relacional possam se efetivar. Com um TDAH grave, a criança terá dificuldades para se relacionar com outras crianças e com a família; terá dificuldades em aceitar e seguir determinadas regras, podendo envolver-se em brigas, discussões, ser rejeitada por não conseguir parar quieta ou prestar atenção, ser considerada burra ou preguiçosa por não ter o desempenho escolar esperado, sofrer bullying e até ser expulsa da escola por mal comportamento. Ao ser tratada adequadamente, ela terá a possibilidade de desenvolver todo seu potencial e amadurecer de uma forma mais saudável e feliz.

O tratamento do TDAH é para a vida toda ou não?
Ele é compreendido como um transtorno do neurodesenvolvimento, portanto crônico. Parte dessas crianças, com o passar do tempo, vão encontrando formas de lidar com essas dificuldades e encontrarão o seu próprio caminho. Aquelas que não conseguem transpor essas dificuldades vão precisar de um acompanhamento e tratamento para o resto da vida.

O que pode comprometer o neurodesenvolvimento da criança e desencadear a doença?
Este é um transtorno onde aspectos genéticos e ambientais devem ser levados em consideração. Sabemos também que há uma maior prevalência de TDAH em crianças cujas mães utilizaram álcool. Geralmente existe uma somatória de fatores de risco.

O que podemos esperar da ciência para atender melhor o TDAH?
Hoje, talvez estejamos chamando de TDAH um grupo de transtornos de causas múltiplas. Vemos crianças onde predominam a hiperatividade e a impulsividade e outras crianças onde predomina a desatenção. E colocamos tudo embaixo desse imenso guarda-chuva chamado TDAH. Um melhor conhecimento do funcionamento cerebral trazido pelas pesquisas em neurociências e neuropsicologia, pesquisas sobre fatores de risco ambientais entre outras auxiliarão, talvez, a encontrar biomarcadores ou testes mais precisos que nos auxiliarão no diagnóstico e tratamento deste transtorno. Entretanto, todo avanço científico nunca será capaz de substituir uma boa clínica, centrada no indivíduo, na família e nas condições sociais. Os avanços da ciência nos ajudarão em nossa avaliação clínica, mas não a substituirá.

Fonte: Jornal da Unicamp.

sábado, 26 de outubro de 2013

Técnica desenvolvida por pesquisadores americanos e ingleses utiliza células do próprio paciente para a restauração capilar. Implante poderia ser utilizado também por mulheres com queda acentuada de cabelo e pessoas com queimaduras

Pesquisadores do Centro Médico da Universidade de Columbia, em Nova York, e da Universidade de Durham, na Inglaterra, desenvolveram um método de restauração capilar que induz o crescimento de cabelo utilizando células do paciente. Segundo os cientistas, a nova técnica pode aumentar significativamente a utilização do transplante de cabelo para as mulheres que sofrem com queda acentuada e que têm dificuldade em conseguir doadores, bem como para os homens nos estágios iniciais da calvície e pessoas com queimaduras. O estudo foi publicado na revista "Proceedings of the National Academy of Sciences" (PNAS).

- Cerca de 90% das mulheres com queda de cabelo não são candidatas a uma cirurgia de transplante pela pouca quantidade de doadores - disse Angela M. Christiano, uma das líderes do estudo, da Universidade de Columbia. - Este método oferece a possibilidade de induzir um grande número de folículos pilosos (estrutura dérmica que atua na produção de pelos) ou rejuvenescer os folículos existentes, começando com células cultivadas a partir de amostras de cabelos do paciente. Isso pode fazer com que o transplante de cabelo esteja disponível também para indivíduos com um número limitado de folículos, incluindo pessoas com marcas de alopecia (redução total ou parcial de pelos em uma determinada área), perda de cabelo decorrente de queimaduras e mulheres com queda acentuada.

Segundo Angela, pacientes com esses tipos de problemas capilares são contemplados apenas com remédios que reduzem a taxa de perda, mas normalmente não estimulam o crescimento de cabelo novo.

- As células da papila dérmica dão origem a folículos pilosos, e as noções de clonagem de folículos pilosos usando células da papila dérmica são conhecidas há 40 anos - afirma Colin Jahoda, da Universidade de Durham. - No entanto, uma vez que as células da papila dérmica são colocadas no tecido convencional, elas se transformam em células básicas da pele, perdendo a capacidade de produzir folículos pilosos. Então nós fomos confrontados com uma encruzilhada: como expandir um número suficiente de células para a regeneração do cabelo e manter as suas propriedades indutoras.

Para solucionar a questão, os pesquisadores se espelharam em experiências com roedores. Criada por Jahoda anteriormente, uma técnica capaz de retirar, clonar e transplantar as papilas de ratos de volta em sua pele foi a base da pesquisa. A principal razão para que o cabelo do roedor seja transplantado com sucesso, segundo os cientistas, é que as suas papilas dérmicas tendem a agregar-se espontaneamente no tecido (ao contrário da papila humana). As células agregadas formariam, assim, seu próprio ambiente extracelular, o que permitiria que a papila interagisse e liberasse sinais para que o tecido receptor fosse reprogramado para produzir novos folículos capilares.

- Essa técnica apontou que se nós produzíssemos papilas humanas de tal forma a incentivá-las a se agregar nos tecidos como as células dos roedores faziam espontaneamente, poderíamos criar as condições necessárias para induzir o crescimento do cabelo na pele humana - declarou Claire A. Higgins, autora principal da pesquisa.

Os pesquisadores colheram papilas dérmicas de sete doadores humanos e clonaram suas células em tecidos, sem adicionar potencializadores de crescimento. Após alguns dias, as papilas cultivadas foram transplantadas entre a derme e a epiderme da pele humana, que tinham sido enxertadas nas costas dos ratinhos . Em cinco dos sete testes, os transplantes resultaram em crescimento de cabelo novo, que durou , pelo menos, seis semanas. A análise do DNA confirmou que os novos folículos capilares eram humanos e que eram geneticamente compatíveis com os doadores.

- Esta abordagem tem o potencial de transformar o tratamento médico de perda de cabelo - ressaltou Angela. - Medicamentos de perda de cabelo atuais tendem a retardar a perda dos folículos pilosos ou potencialmente estimular o crescimento dos cabelos existentes, mas não criam novos folículos. Nem o transplante de cabelo convencional, que transfere um determinado número de pelos da parte de trás do couro cabeludo para frente. Nosso método, no entanto, possui o potencial para realmente criar novos folículos capilares utilizando as células do próprio paciente. Isto poderia expandir a utilidade da cirurgia de restauração de cabelo para as mulheres e para pacientes mais jovens. Hoje ela é muito restrita para o tratamento da calvície de padrão masculino estável.

Apesar do resultado positivo, os pesquisadores afirmam que mais testes devem ser feitos antes que o método possa ser testado em seres humanos.

- Precisamos estabelecer as origens das propriedades intrínsecas do cabelo recém-formado, tais como cinética de seu ciclo celular, cor, ângulo, posicionamento e textura - afirma Jahoda. - Nós também precisamos estabelecer o papel das células da epiderme que interagem com as papilas dérmicas, para criar novas estruturas. A equipe está otimista de que os ensaios clínicos poderiam começar em um futuro próximo. Eu também acho que este estudo é um passo importante em direção ao objetivo de criar uma pele de substituição com folículos pilosos para uso em pacientes com queimaduras, por exemplo.

Fonte: Jornal da Ciência.
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