quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Protocolo permite diminuir possível desequilíbrio na determinação da intensidade das cargas

Os testes de desempenho aeróbio – relacionado à resistência – auxiliam e orientam a prescrição de intensidades de corrida recomendadas para treinamento e competição de atletas fundistas de alto rendimento, caso dos participantes de olimpíadas e competições internacionais. A literatura mostra que para a melhora do desempenho aeróbio é necessário conhecer parâmetros fisiológicos de carga que além de confiáveis sejam de fácil aplicação nos treinamentos. Eles são fundamentais inclusive para a predição das velocidades durante as competições, uma vez que seus planejamentos estratégicos podem determinar o vencedor ou a quebra de um recorde. Os parâmetros fisiológicos de carga associados a outras variáveis, quando alicerçados em bases científicas, reduzem de forma significativa possíveis erros na determinação das intensidades nos treinamentos e na adoção de estratégias nas competições.

Um dos parâmetros frequentemente utilizado é o limiar anaeróbio (LAn), que indica a transição dos metabolismos aeróbio-anaeróbio e que se revela bastante prático. Ocorre que a maior parte dos protocolos utilizados para a sua determinação são trabalhosos, invasivos, tomam muitos dias de treinamento dos atletas e envolvem análises caras. Para um país como o Brasil, que conta com parcos recursos, particularmente para o atletismo, seria desejável desenvolver um protocolo que utilizasse uma ferramenta barata, de fácil aplicação e reprodução e que pudesse ser validada por um teste considerado de padrão ouro. É o caso do teste de Máxima Fase Estável de Lactato (MFEL), referência gold standard, o qual determina o limiar anaeróbio e que permite estabelecer cargas adequadas para treinamento aeróbio e anaeróbio, mas invasivo, caro e demorado.

À procura de superar estas dificuldades se propôs Ricardo Antonio D’Angelo, ex-atleta dos 400 m com barreiras que, depois de graduado em educação física, passou a atuar como treinador especializado em corridas de fundo (acima de 3.000 m). Só aos 45 anos, quando já havia acumulado grande experiência prática e bons resultados como treinador de atletas de nível internacional, decidiu pelo mestrado e doutorado, completados nos últimos sete anos. O objetivo: aperfeiçoar-se na área. “Eu sentia necessidade de aprofundar os conhecimentos em corrida de fundo com o intuito de melhorar meu trabalho, o da minha equipe e os resultados dos meus atletas”, diz ele.

Com essas perspectivas, ele desenvolveu no doutorado, orientado pelo professor Miguel de Arruda, da Faculdade de Educação Física (FEF) da Unicamp, o teste de Velocidade Crítica (Vcrit), validado pelo teste de Máxima Fase Estável de Lactato (MFEL), que permite a avaliação e controle da forma física do atleta a partir de procedimentos simples, não invasivos, confiáveis e de fácil aplicação. Esse protocolo, desenvolvido ao longo de um ciclo olímpico, quatro anos, entre as Olimpíadas de 2008 (Pequim) e 2012 (Londres), foi responsável pela organização das cargas de trabalho de seis atletas fundistas de alto rendimento. O grupo apresentou melhora de desempenho, com destaque para dois atletas: Franck Caldeira de Almeida, 13º colocado na Maratona dos Jogos Olímpicos de Londres, 2012, e Joilson Bernardo da Silva, medalha de bronze na prova dos 5.000 m do Pan Americano de Guadalajara, 2011.

Moveu-o também ao estudo a constatação de que, embora a comunidade de treinadores de corrida cresça em ritmo elevado atualmente no Brasil, os recursos didático-metodológicos desses profissionais não se encontram totalmente apoiados na ciência do esporte. Diante disso, ele acredita que as informações e conclusões da pesquisa possam contribuir sensivelmente para a melhora da qualidade de trabalho desses treinadores e em consequência para o melhor desempenho de atletas brasileiros em nível nacional e internacional.

O fazer Em síntese, Ricardo D’Angelo desenvolveu um método de determinação do limiar anaeróbico, o LAn, com protocolo não invasivo, o Vcrit, e o correlacionou ao Máxima Fase Estável de Lactato, o MFEL, e a outros importantes parâmetros de desempenho, que permite diminuir o possível desequilíbrio na determinação da intensidade das cargas e possibilitar ao treinador a realização de avaliações mais frequentes e simplificadas do estado de forma física de seus atletas. “A partir dessas informações, variáveis sensíveis de ajustes de intensidade passam a ser facilmente identificadas e as intervenções propostas nos métodos e meios de treinamento do atleta tornam-se altamente eficazes”, diz ele.

O autor destaca a escassez de trabalhos na literatura, mesmo em escala mundial, envolvendo atletas profissionais de alto rendimento que tenham integrado delegações em competições internacionais. Cerca de 90% desses trabalhos envolvem idosos, militares e outras populações, porque em geral os atletas de alto rendimento não se submetem a esse tipo de avaliação. Como treinador ele tinha à mão um grupo de seis atletas de alto rendimento que o acompanhava há vários anos.

Estas circunstâncias o levaram a procurar uma ferramenta barata, de aplicação simples, facilmente reproduzida e passível de ser validada por um teste padrão ouro. Para tanto estabeleceu um protocolo em que os atletas corriam três ou quatro distâncias, que lhe forneceram dados para a obtenção de uma reta de regressão através de um modelo matemático simples. Esses resultados, comparados com os obtidos através de um teste padrão ouro, permitiram estabelecer uma correlação entre os valores obtidos nos dois processos, com a utilização de uma equação simples. “Posso afirmar hoje que esse protocolo permite estimar o limiar anaeróbio desses atletas, através de um índice fisiológico, com um alto grau de confiabilidade através de um procedimento simples e com resultados fidedignos”.

Ele confessa que foi motivado pela necessidade. Em países com recursos, os centros de treinamento para atletas de alto rendimento dispõem de um laboratório junto à pista. Ele não conta com essa facilidade e recorre a um laboratório toda vez que precisa de análises, mesmo reconhecendo que trabalha com a equipe de atletismo com mais recursos no Brasil. O trabalho se propôs a oferecer para a comunidade de treinadores um parâmetro confiável de aplicação de carga baseado em estudos científicos, através de testes simples, que não exijam recursos. Ricardo D’Angelo resume: “Os testes de laboratório dizem o que é necessário para chegar a um alto rendimento e a metodologia que desenvolvemos permite obter dados que revelam em que estágio o atleta está e onde deve chegar para obter alto desempenho. Chegamos a esses resultados de forma simples e objetiva”.

Situação no Brasil
Segundo o pesquisador, uma questão colocada hoje na área de educação física é a de que a aplicação dos recursos da ciência do desporto está um pouco divorciada da sua prática, mesmo em países avançados. O problema é agravado pelo fato do reduzido número de atletas de alto rendimento se submeter aos testes exigidos nessas pesquisas. Em decorrência, os resultados obtidos com outros públicos são transpostos para os atletas de alto nível, comprometendo a fidelidade. O estudo baseado em atletas de alto rendimento é o que diferencia o trabalho de Ricardo.

Teriam os treinadores brasileiros condições de implementar a metodologia proposta? Ricardo considera que a competência dos profissionais de atletismo no Brasil equivale aos de centros mais desenvolvidos. Credita isso à agilidade dos meios de comunicação, destacando a internet, e ao fato de os profissionais procurarem aperfeiçoamento e atualização frequentando cursos, como os organizados por confederações e federações nacionais e internacionais de atletismo, e participando de palestras e de encontros com treinadores estrangeiros.

Segundo ele, o perfil característico do treinador de atletismo no Brasil é o do ex-atleta, que vivenciou intensamente a prática do esporte, que passou a dedicar-se à formação de novas gerações e que procura evoluir através do conhecimento. Foi seu caso. No campo do atletismo, ele acredita que o país tem treinadores entre os melhores do mundo, mas que se ressentem da falta de recursos materiais e humanos. Como exemplos cita a pequena oferta de pistas sintéticas, essenciais para desenvolver trabalhos em quaisquer esportes e, no caso do atletismo, a carência de atletas.

Atribui a carência de recursos humanos às características da cultura nacional: “No Brasil temos a cultura do futebol, não do esporte, diferentemente do que ocorre nos EUA, por exemplo, em que a cultura esportiva é desenvolvida desde a escola, quando a criança entra em contato com as várias modalidades do esporte, o que torna muito mais fácil o surgimento de atletas de alto nível. Todos os países que se tornaram potencias mundiais no esporte o têm como instrumento de educação. Tudo começa na escola”. Em vista disso, Ricardo D’Angelo não acredita na melhora significativa dos desempenhos do atletismo brasileiro nas Olimpíadas do Rio de Janeiro, em 2016.

Em decorrência da proliferação, na última década, da corrida de rua no Brasil, ele preocupou-se, ao desenvolver o estudo, com a possibilidade de seus resultados serem encampados por preparadores desses atletas amadores. Grande parte desses orientadores não é especialista em corridas de fundo, pois ou são professores de educação física ou ex-corredores em geral sem nenhuma graduação, que conhecem a prática e conseguem trabalhar porque a demanda é muito alta e não por apresentaram uma formação adequada.

Publicação
Tese: “Testes de desempenho aeróbio relacionados a intensidades de corrida em treinamento e competição para fundistas de alto rendimento”
Autor: Ricardo Antonio D’Angelo
Orientador: Miguel de Arruda
Unidade: Faculdade de Educação Física (FEF)

Fonte: Jornal da Unicamp.

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